Foto: Acervo
Por *Vavá Dias
Em mil novecentos e treze, chegava a São Gonçalo do Sahuen, vindo de Misericórdia na Paraíba, João Jacó de Souza, Maria Miguel de Souza, meus bisavôs maternos. Ela além de minha bisavó era irmã do meu avô paterno, Artur Miguel de Souza, portanto também minha tia a quem chamava e Mãe Tosinha.
João Jacó homem de muita disposição chegou aqui por acaso, saiu de Misericórdia desiludido à procura de um lugar para trabalhar e arranchar sua família. Passou pelo Ceará, mas só simpatizou com o Sítio Jardim – onde construiu sua casa, sua fazenda, sua vida e uma grande família.
Alguns anos depois ele recebeu em sua casa um jovem estudante de direito, foragido de Bonito de Santa Fé, município próximo de Misericórdia, foragido sim porém, com uma carta de apresentação assinada por José Caju, Oficial de Cartório, homem respeitado e dono do único cartório da região. Esse jovem estudante de direito era Miguel Dias de Souza, meu avô materno, homem que alfabetizou toda família jacó: Luiz José, Pedro Torquato e Lino Jacó, além das moças, Maria Joana, Terezinha, Tiaga e Caetana com quem se casou.
O professor Miguel Dias, “Mestre Miguel” como era tratado por João Jacó, foi um homem muito requisitado por políticos e homens de negócios, todos queriam a opinião dele principalmente a respeito de documentos referentes as terras que naquela época tinha que vir gente da capital para resolver.
Certo dia chega “João Jacó cego” filho adotivo de João Jacó com um recado para o Mestre Miguel: – Mestre há um menino lá fora querendo falar com o senhor…Miguel Dias homem de grande educação, pediu que o tal menino entrasse, quando foi advertido por João Cego: – Ele não pode entrar! Mestre Miguel foi lá fora e deparou-se com um menino nu sem, sem cueca, sem lenço e sem documento com um pedido inusitado: – Mestre me ensine a ler e escrever, tenho muita vontade de aprender só que não tenho roupa, lápis, nem papel. Segundo minha mãe, Maria Irene Dias, nessa noite Mestre Miguel não dormiu, pensando o que fazer com aquele menino. Ele vivendo de favor na casa de João Jacó. Só Deus sabe o que passou para chegar a São Gonçalo, como poderia resolver tal imbróglio.
Ao amanhecer, Mestre Miguel que havia passado a noite em claro, já tinha em mente a solução para o menino. Mandou-lhe um recado que o mesmo comparecesse à noite, pois, começariam ali um verdadeiro exemplo de professor e aluno, um sedento de aprender o outro que não media esforços para ensinar, estava ali o maior exemplo de vida.
Mestre Miguem em noite de lua tudo corria bem, quando faltava luz natural acendiam um candeeiro e com a palma da mão alisava o chão, com as pontas dos dedos substituíam o lápis, escrevendo as letras, frases, ordenando ao menino que repetisse o que ali lhe ensinara. Foram noites e mais noites, semanas, meses, se o menino cada dia ficava mais radiante. O Mestre sequer imaginava que naquele momento estava fazendo história para esse humilde neto contar, sessenta e três anos após sua morte.
Esse menino tinha nome e sobrenome, foi meu professor, mas há uma só pessoa em nossa região acima de cinquenta anos que não tinha sido aluno do grande professor Júlio Claro. Cavaco, Jardim, Serra do Cavaco, Serra do Jardim, Feira Nova, etc. Júlio Claro “Mestre Júlio” nós devemos muito ao senhor, sua luta, sua vida, sua conquista, são exemplos vivos que o ser humano quando quer vira exemplo e não estatística.
Mestre Júlio, você viveu, ensinou, morreu e a sua história ficou, porém o esquecimento das autoridades araripinenses, é uma coisa a ser estudada. Não há uma rua, escola ou mesmo um banheiro com seu nome, nem mesmo sei se a secretaria de Educação tem qualquer registro sobre a sua passagem pelos grupos escolares da vida, e olha que aqui nós temos até rua com o nome de Elis Regina. Parentes de políticos morrem e em menos de um ano já se tornam nomes de qualquer coisa mas, professor e sobretudo um aluno sem igual como você, tem que esperar pelos menos um século para aparecer alguém tentando resgatar seu legado.
Mestre Júlio, trago nas minhas lembranças você, Antonia Albertina de Alencar Ramalho, minha “Tia Bebé”, José Farias, Dona Ceci e Antônio, meu professor de Francês e muitos outros que se fosse citar aqui teria que gastar muito papel. Se você Mestre Júlio não se tornou nome de nada, rua, escola, sala de aula, você se tornou o aluno que não tinha uma roupa para vestir, mas tinha na alma o desejo de ser gente, de ser grande, aprendeu e não guardou para você, distribuiu para muitos necessitados, entre os quais me incluo.
Mestre Júlio, a herança que você deixou não há homem que destrua, Deus lhe pague o tudo que você nos deu (…) Olhe o mestre Miguel aqui foi lembrado por causa de você, meus avós João e Maria foram lembrados por causa de você, se não te deram nome de escola, seu nome está cravado na rua mais bonita que existe: Nossos corações!!!
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Miguel Dias de Souza, morreu em Presidente Venceslau, São Paulo, em mil novecentos cinquenta e quatro. Foi o segundo professor de São Gonçalo do Sahuem. O primeiro foi Manoel Augusto de Oliveira – pai da Família Bandeira.
João Jacó de Souza, morreu em Araripina, em mil novecentos quarenta e dois, no dia de Tiradentes.
José Caju, casado com Tamires Dias de Souza, irmã de Miguel Dias de Souza, tiveram cinco filhos, todos formados em direito. Quatro chegaram a desembargadores, um desvirtuou-se, tornou-se prefeito e Maceió. Atendia pelo nome de Sandoval Dias Caju.
Antonia Albertina de Alencar Ramalho, “Tia Bebé”, veio do Ceará, casou-se com meu tio Olavo de Souza Ramalho “Tio Didi”, formaram uma família com quatro filhos entre eles o professor Ramalho. Foi a mulher que alfabetizou o povo do Jardim e região, morreu recentemente (2017) deixando o Jardim sem a única flor que restava.
José Faria casado com Dona Ceci, os fundadores e educadores do Educandário, ela veio de Paulistana Piauí, não tenho notícia de sua morte. Ele veio de Balsas no Maranhão e morreu em Recife em mil novecentos e oitenta.
Antonio, era nosso colega do Ginásio Municipal São Gonçalo, porém, muito aplicado, aprendeu francês e se transformou em nosso professor. Andei, perguntei e não soube notícia do seu paradeiro (eu não consigo passar um só dia sem lembrar da humildade e simplicidade de Antonio).
Maria Miguel de Souza minha bisavó, morreu em mil novecentos e oitenta, próxima dos cento e cinco anos. Eu tinha uma ligação muito forte com “Mãe Tosinha” a forma carinhosa como nós a tratávamos (…) Em mil novecentos setenta e sete, a última vez que nos encontramos ela já debilitada, dentro de uma rede ao ouvir a minha voz gritou: – Vavá é Vavá! Graça a Deus você está vivo, São Paulo é muito perigoso, todos dias eu rezo para que Deus te proteja.
Mestre Júlio, Júlio Claro Sobrinho, morreu em vinte sete de setembro de mil novecentos e setenta e oito (27/9/1978).
Miguel Dias de Souza “Mestre Miguel” com a morte de João Jacó de Souza em 1942, vendo que sem o cabeça da família tudo havia se tornado muito difícil para sua numerosa família – 12 filhos, resolveu partir para São Paulo.
Partiu levando consigo um fugitivo de guerra, um homem que se negou à convocação do governo para lutar na Itália. Esse fugitivo era seu genro, casado com Maria Irene Dias de Souza, atendia pelo nome de Hermes Miguel de Souza, então com 19 aos e Maria Irene com 14 anos, seu Hermes e Dona Irene, meus queridos e inesquecíveis pais.
Mestre Miguel homem de grande sabedoria, ao chegar em São Paulo viu que o futuro estava em Sorocaba, região que engloba cidades como: Pequerubi, Anastácio, Venceslau, e etc, onde o cultivo de algodão e café era extraordinário. Logo se arrancharam na fazenda Perobal local onde nasci.
Mestre Miguel sempre fez questão de dizer: – Hermes, guerra é morrer sem motivo ou matar um ser humano por motivo fútil! Quem inventou a guerra que vá à luta.
Hermes Miguel de Souza, um homem além do seu tempo. Foi talvez o primeiro pai a mandar um filho para estudar fora de Araripina, foi o primeiro a montar um Posto de Combustível fora da cidade, ali no Sítio Jardim, Posto Texaco, anexo ao Hotel Hermes (…) Lembro-me bem da admiração de todos os caminhoneiros, ao ver um homem analfabetos, porém empreendedor, construir uma galeria com pedras para que a água fluísse por baixo do Posto pois, ali passava um riacho.
Hermes Miguel de Souza, morreu em Araripina aos 79 anos, no ano de dois mil e dois (2002).
*Vavá Dias é poeta, compositor, escritor e empresário do ramo da papelaria
P.S. Sobre Dona Ceci que o autor disse não ter notícia de sua morte, fomos informados que a mesma ainda está viva, e mora com os filhos em Recife como conseguimos identificar através do perfil no facebook de uma das suas filhas.
Notícia boa.
Fotos: Reprodução: Página do Facebook de Regina Farias, filha de Dona Ceci.