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A MORTE DE EDUARDO CAMPOS E O “ATENTADO” DAS TEORIAS CONSPIRATÓRIAS QUE PREDOMINAM NA INTERNET

Os chamados “memes”,
confeccionados para entretenimento e até críticas, muitas vezes, só servem para
poluir a rede com atuações frias e pobres de conteúdo
Pouquíssimos indivíduos
são capazes de encarar a morte como parte da vida, sem choque ou tristeza
profunda, principalmente quando se trata de um ente querido. Nada mais natural
— tendo em vista as faculdades mentais do ser humano e laços que vamos
construindo ao longo da existência. Às vezes também se sofre com a perda de um
ídolo, por exemplo, mas certamente essa dor será amenizada mais rápido, pela
diferença do tipo de vínculo.
Em todo caso, depois do
baque, ficam as lembranças. A notícia que toma conta do noticiário nacional e
até internacional entre o início da tarde da última quarta-feira (13/8) e
permanecerá em evidência nos próximos dias é a da morte do presidenciável
Eduardo Campos (PSB).
Em perfil dele traçado com
rigor pela jornalista Daniela Pinheiro, da revista “Piauí”, na edição 94, de
julho, foi registrado o seguinte: “O candidato tinha as costas da camisa
molhadas de suor. ‘Rua é a melhor coisa do mundo’, disse, escancarando os
dentes e esfregando uma mão na outra. Depois do corpo a corpo, parecia tão
excitado que chegou a dar soquinhos no banco, como que para extravasar a
agitação”.
Aos 49 anos — completados
no dia dos pais —, o pessebista deixou uma trajetória política considerável ao
País, sobretudo à região que representou, o Nordeste. Em seu currículo estão os
postos de ministro de Ciência e Tecnologia da gestão petista; de governador
reeleito de Pernambuco, de deputado estadual e federal; além de ser um fator
novo ao debate eleitoral para presidente da República. A tragédia aérea assusta
por si só, pela violência com que quase sempre se dá. E por se tratar de uma
personalidade em evidência por estarmos a dois meses das eleições, a exploração
midiática é inevitável, fazendo com que as questões sobre quem ocupará o vácuo
que Eduardo deixou na corrida ao Palácio do Planalto chegassem junto com sua
morte. Como também se espalharam pela internet mensagens de comoção, pesar e,
infelizmente, especulações (acusações no geral anônimas) sobre as causas,
ironias e as famosas teorias de conspiração.
O que situações como estas
podem vir a nos ensinar, é cedo para dizer e talvez eu não seja a pessoa mais
qualificada para explorar tal enfoque. Mas, enquanto internauta, eleitora,
cidadã e jornalista, sou capaz de perceber a gravidade do futuro que o mau uso
da web nos reserva. O que o anonimato possibilitado pela rede finge esconder,
na verdade desnuda escancaradamente: o lado mais frio e cruel do ser humano.
Eduardo Campos era pai de família, esposo exemplar, filho querido, antes de ser
um representante da classe política, tão desacreditada pela nossa sociedade por
motivos pertinentes para isso, o que não dá direito a ninguém de “brincar” com
sua morte trágica. Uma mulher está viúva com cinco filhos, um deles bebê, e não
é por ter vida financeira estável que a dor dessa família será menor ou merece
ser desrespeitada.
Recebi a notícia com
pesar, e não foi pela imprensa, pois estava envolta em questões pessoais,
também ligadas diretamente à dualidade vida x morte. A primeira reação foi de
incredulidade, a segunda foi ligar na redação para confirmar com minha equipe.
No local em que eu estava ainda tive que ouvir de um desconhecido que me ouviu
contar para meu pai sobre a morte de Eduardo Campos que, “se for para se
entristecer, que seja pelas criancinhas com câncer”; ou seja, morte de político
(um ser humano) não vale. Dei de ombros, têm dias que discutir desgasta mais
que enriquece. Meu pai olhou de cara feia para o indivíduo. Comentou comigo que
tinha gostado do Eduardo no “Jornal Nacional” e lamentou a morte de um jovem
político.
Agora me é aberta a
possibilidade de ao menos relatar o caso, e assim abrir espaço para reflexão. O
que está por trás desse pensamento/reação excludente de um cidadão é muito
grave. É a prova de que o desinteresse pela política, somado à falta de visão
de mundo ocasionada pelo pouco estudo do que nos cerca pode anular reflexões
mais profundas sobre nossa condição de agentes dentro de uma sociedade,
independente do poder aquisitivo, meio profissional e social. As duas situações
(a minha de demonstrar pesar e a ressaltada por ele enquanto à doença) merecem
sentimento –– e ações ––, sem necessidade de filtros de o que seria mais
aceitável.
Os “memes” que tomaram
conta das redes sociais com afirmações de que Dilma ou Aécio têm relação com o
ocorrido, que esses dois presidenciáveis é que deveriam ter morrido, além de
críticas de que só foi Eduardo Campos morrer para sua vida se tornar ilibada e
livre de críticas, além da relação do fato com a Lei Federal nº 12.970, que
dificulta acesso a informações em casos de acidentes com aviões no Brasil ––
sancionada no último dia 9 pela presidente Dilma Rousseff e que realmente
carece de debate aprofundado –– só escancaram o quanto parte considerável da
nossa sociedade ainda engatinha no que se refere à consciência de para quê a
tecnologia pode nos ser útil.
Um mundo vasto de conteúdo
sendo desperdiçado por comentários agressivos, sem conteúdo, verdadeiros lixos
virtuais, que nos chegam sem pedir licença. A impressão que se tem é a de que o
que vale é atingir, irritar, magoar; no lugar de debater e tentar interferir
positivamente em questões sérias que nos cercam diariamente e cuja falta de
atenção pode resultar, mais dia, menos dia, em consequências diretas em nosso
cotidiano. Um bom exemplo de assunto que carece de atenção? A (pouco
interessante para alguns tantos) política. Como ando muito de transporte coletivo,
não raro ouço as pessoas encherem o peito para dizer, em tom de voz até mais
elevado que o normal para alcançar mais ouvintes, que não querem nem saber quem
são os candidatos. Que tudo é chato, tudo é corrupto, tudo não muda nada. Pois
é, e falar abobrinha também não contribui, a prova da ineficiência desse
argumento é a precariedade do sistema de transporte público de Goiânia, de
Goiás e do Brasil, para ficar em apenas um exemplo.
Posso até ser acusada de
estar tentando cercear a liberdade de alguém com este artigo — principal
argumento de quem gosta de regurgitar opiniões e ofensas por meio de piadinhas
aparentemente inofensivas nas redes sociais —, mas não vou me abster de tentar,
seja em qual grau for, alertar sobre o quão prejudicial é este uso superficial
de uma ferramenta com o potencial da internet.

Republico abaixo algumas
das postagens que me levaram a este texto, com a intenção de que o leitor que
chegou até aqui gaste somente alguns minutos de reflexão sobre em que seus
“conteúdos” lhe foram úteis. P. S: Muitos deles foram excluídos de suas páginas
originais, o que me dá certo conforto por pensar que foram retiradas do ar por
denúncias de outros internautas do círculo de amizade de quem as produziu e dos
que as compartilharam.
Allyne Ribeiro
Allyne Ribeirohttps://araripinaemfoco.com
Diretora de Edição e Redação de Jornalismo
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