Artigo especial

Referendo

sim

, plebiscito não!
*Maurício Costa Romão
Depois de recuar
da ideia de uma constituinte específica para tratar da reforma política,
a presidente Dilma Rousseff decidiu manter apenas a proposta de
plebiscito sobre pontos específicos da reforma.

Trata-se de
iniciativa engendrada com o fito de ter alguma resposta para as pressões
populares e imprimir verniz de legitimidade, sob a forma de consulta
pública, a um debate que não teve consequências e se desdobrou de forma
equivocada no Congresso desde o nascedouro.

A iniciativa da presidente é totalmente inadequada, para dizer o mínimo. 
Pesquisa
do Instituto Análise, publicada em novembro de 2011, mostra que entre
os próprios congressistas reina desconhecimento e discordância sobre
pontos fundamentais da reforma:

– Financiamento público de campanha:  25% a favor (F), 23% contra (C) e 52% não sabe, não respondeu (NS/NR);
– Lista fechada (todas as cadeiras): 22% (F), 20% (C) e 58% (NS/NR);
– Lista fechada (parte das cadeiras): 14% (F), 29% (C) e 57% (NS/NR);
– Voto distrital: 19% (F), 29% (C), 52% (NS/NR);
– Fim das coligações proporcionais: 15 (F), 33% (C) e 52% (NS/NR).

Veja-se
que até mesmo o fim das coligações proporcionais, que parecia ser quase
uma unanimidade, é apoiado por apenas 15% dos parlamentares.

Imagine-se,
agora, esses tópicos, e outros de igual complexidade, resumidos num 
sim ou  não, serem submetidos a julgamento popular, sem um amplo
esclarecimento à população. E, ainda por cima, o governo quer fazê-lo,
urgentemente, em 7 de setembro ou 15 de novembro. Uma aventura que pode
custar caro ao país.

Ademais, na questão específica dos modelos
eleitorais, tratados na presente legislatura e objeto de análise mais
pormenorizada neste texto, suas excelências nunca se perguntaram quais
são exatamente os problemas do sistema proporcional brasileiro e de que
maneira eles poderiam ser corrigidos. A ideia fixa que presidiu o debate
sempre foi a mudança de sistema.

No processo de demonização do
mecanismo eleitoral vigente, suas excelências tentaram passar para a
sociedade a ideia de que as distorções funcionais do sistema político
nacional, como corrução, ficha suja, compra de votos, aluguel de siglas,
fragilização partidária, etc., eram inerentes ao modelo eleitoral em
uso, quando, na verdade, são uma questão mais ampla, estrutural, do
país.

Assim, importar um modelo eleitoral qualquer sem se fazer
uma depuração desses vícios e deformações que circundam o atual sistema
político, é contaminá-lo inexoravelmente, desde os primórdios.

Mas
antes de quaisquer experimentos de modelos eleitorais, cabe perguntar:
qual deles é o melhor? É inapropriado falar-se de superioridade de um
modelo sobre outro. Não existe sistema de voto ideal, justo, perfeito.
Eles se nivelam nos seus atributos essenciais, de sorte que cada qual
tem seus méritos e deméritos. Por isso mesmo, migrar de um para outro
envolve ganhos e perdas, e não se pode ter certeza de que haverá
melhorias no sistema geral.

Daí por que temos defendido que: (1) a
reforma político-eleitoral deve ser tratada como um processo, de forma
contínua, não apenas no início das legislaturas; (2) a depuração dos
vícios do sistema precede às discussões sobre eventual mudança de modelo
eleitoral e (3) há formas de promover grandes saltos qualitativos no
atual mecanismo brasileiro, mediante algumas correções pontuais
operacionalmente muito simples como, aliás, temos demonstrado.

O
plebiscito sugerido, a julgar pela ausência de justificativas concretas
para a sua propositura, passa ao largo dessas preocupações e vai bater
na tecla equivocada da troca de sistema eleitoral.

Melhor seria que o
governo usasse de sua força política e apoiasse a revisão do atual
modelo ou, até mesmo, bancasse outro. Exige-se apenas o bom senso de
submeter a decisão congressual à aprovação final da população, mediante
referendo.

*Economista e cientista político.

Allyne Ribeiro
Allyne Ribeirohttps://araripinaemfoco.com
Diretora de Edição e Redação de Jornalismo
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