A família de Miguel Otávio, o garoto negro de cinco anos que caiu do nono andar do luxuoso prédio das torres gêmeas, no Recife, comovendo o mundo num coro uníssono de racismo, vai participar de um ato cobrando justiça, hoje, às 15 horas, em frente ao prédio da tragédia, no Cais de Santa Rita. A cada revelação do imbróglio envolvendo a família branca e rica responsável pela morte da criança, uma constatação evidente: Pernambuco ainda vive a era de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Mirtes Renata de Souza, a mãe do garoto, trabalhava no apartamento luxuoso da patroa que abandonou o seu filho no elevador recebendo salário da Prefeitura de Tamandaré.
O esposo de Sari Gaspar Corte Real, que pagou R$ 20 mil de fiança para responder pelo crime culposo em liberdade, é Sérgio Hacker, prefeito de Tamandaré pelo PSB, partido do governador Paulo Câmara. Segundo o portal da transparência do município de Tamandaré, o cargo da doméstica é de gerente de divisão CC-6. A patroa rica obrigou a doméstica a passear com os cachorros embaixo do prédio sem levar o filho de cinco anos, que ficou chorando, enquanto ela fazia as unhas com a manicure.

A polícia tem imagens que comprovam que Sarí, que mora no quinto andar, deixou a criança entrar no elevador sozinha, chegando a apertar o botão do nono andar. Aberta a porta do elevador, sozinho, o garoto, gritando pela mãe, despencou nove andares abaixo, numa área descoberta, morrendo ao encontro da mãe. Tanto a família da mãe do garoto como organizações de advogados vão pedir no ato de hoje a prisão da patroa, que tinha a responsabilidade da criança naquele momento. “Nossa família quer que ela pague pelo que fez com Miguel”, conta Amanda Souza, uma das organizadoras da manifestação. Um dos pedidos é para que as pessoas vistam branco e levem cartazes que apoiem a reivindicação por justiça.
Um outro ato concentrará às 13h em frente ao Tribunal de Justiça de Pernambuco e vai sair em caminhada até as Torres Gêmeas. A ideia é que lá os atos se encontrem. A família não participará da caminhada porque está fragilizada, informou a organização. A articulação da caminhada em memória e por justiça por Miguel partiu de diversas ativistas, organizações e movimentos que denunciam o racismo estrutural que vitimou Miguel.
A recomendação é para que as pessoas fiquem dois metros distantes umas das outras e vão de máscaras, além de levar álcool em gel. Já na mídia internacional, o caso expõe as entranhas da violência que não dá um dia de sossego a famílias negras e, especialmente, mulheres e jovens negros. A família de Miguel convivia com a família da patroa Sarí Gaspar Côrte Real, esposa do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker, mas a distância que os separa – inclusive no acesso à justiça ou à impunidade – foi construída ao longo de séculos de exploração e desprezo por vidas negras.
Não só a mãe de Miguel, mas também a avó, Marta Santana, trabalhavam para a mesma família. As duas se demitiram depois de assistirem ao vídeo do circuito interno do prédio que mostra quando a criança entrou no elevador e foi deixada sozinha pela patroa da mãe. Foi a mãe de Mirtes, dona Marta, quem primeiro começou a trabalhar na casa do prefeito de Tamandaré, em 2014. Há quatro anos, Mirtes também foi trabalhar lá. No dia da morte de Miguel, ele havia dito que estava com saudades da mãe e que queria passar o dia com ela. Mirtes então levou ele para o trabalho, apesar de não ser um costume.
“Minha tia não teve folga, nem quando teve coronavírus. Então Miguel estava sentindo muita falta da mãe. Ele era uma criança muito feliz, muito esperto, amável, sincero”, lembrou Amanda Souza, sobrinha de Mirtes, em entrevista à Marco Zero. Miguel era filho único e os pais haviam se separado há pouco tempo. “Se fosse eu, meu rosto estaria estampado, como já vi vários casos na televisão. Meu nome estaria estampado e meu rosto estaria em todas as mídias. Mas o dela não pode estar na mídia, não pode ser divulgado”, disse Mirtes, em entrevista divulgada na TV Globo ao se reportar à impunidade da patroa. Até o sepultamento de Miguel, Mirtes não havia visto as imagens que mostram a criança sozinha no elevador. O prefeito de Tamandaré Sérgio Hacker e a esposa dele, Sarí Gaspar Côrte Real, chegaram a ir ao velório da criança, mas foram expulsos.
Blog do Magno Martins