InícioAraripina em FocoCem anos atrás, um eclipse solar comprovou a teoria da relatividade geral

Cem anos atrás, um eclipse solar comprovou a teoria da relatividade geral

Era o final de maio de 1919, e a pacata Sobral, cidade no interior cearense onde nunca havia circulado um carro, foi “invadida” por cientistas brasileiros, americanos e britânicos, que desembarcavam de trem com parafernálias trazidas do Rio de Janeiro, como telescópios e espectrógrafos. A expedição atingiu um feito que, nesta quarta-feira, completa seu centenário: a comprovação da teoria da relatividade deAlbert Einstein , através de fotografias realizadas durante um eclipse solar.

O físico alemão havia anunciado sua teoria em 1915. Nela, afirmou que a massa dos corpos deforma o espaço próximo a eles. Assim, o caminho da luz emitida por um astro, ao passar por esta região desviada, deixa de ser uma linha reta. No entanto, este fenômeno só poderia ser testado a partir de um eclipse total do Sol, quando é possível observar as estrelas que ficam atrás ou ao fundo dele.

— Se colocarmos uma bola pesada em cima de uma colchão, ela vai deformá-lo. Se jogarmos depois, no mesmo local, uma bola de gude, sua trajetória será mudada. O mesmo ocorre com a luz: ela é desviada quando se depara com um objeto maciço — compara Alfredo Tolmasquim, diretor de Desenvolvimento Científico do Museu do Amanhã. 

Além de Sobral, os “caçadores de eclipse” também instalaram uma equipe na Ilha do Príncipe, na África. Desde 1912, pesquisadores tentaram fazer observações em quatro locais. No entanto, o mau tempo atrapalhou o registro das imagens. Na Ucrânia, em 1914, os cientistas tiveram de abandonar seus materiais, devido ao avanço das tropas na Primeira Guerra Mundial.

— Sobral era uma cidade pequena, mas de infraestrutura razoável, porque tinha uma estrada de ferro conectada diretamente a um porto — destaca Christina Barbosa, historiadora das Ciências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast). — Os cientistas foram alojados no sobrado confortável de um deputado federal, mas reclamaram muito sobre o clima e os mosquitos, e os americanos ficaram impressionados com os flagelados da seca. 

Segundo Christina, os cientistas tiveram cuidado especial com o fechamento de acampamentos, para que a população não tocasse nos instrumentos. Duas lunetas, no entanto, foram disponibilizadas para que os moradores locais fizessem observações. Também houve um alerta para que a população não disparasse fogos de artifício ou qualquer coisa que pudesse afetar a luminosidade.

Cientistas preparam estruturas para observação do eclipse Foto: Divulgação/Museu de Astronomia e Ciências Afins
Cientistas preparam estruturas para observação do eclipse Foto: Divulgação/Museu de Astronomia e Ciências Afins

Pouco antes das 9h da manhã de 29 de maio de 1919, veio o eclipse, que encobriu completamente o Sol ao longo de cinco minutos. Foi um período curto, mas suficiente para astrônomos ingleses tirarem fotografias com câmeras acopladas a telescópios, registrando a posição das estrelas próximas à borda solar. Os pesquisadores brasileiros também fizeram fotografias da coroa solar, a camada mais externa do Sol. 

No céu limpo de Sobral, as placas usadas pelos cientistas registraram 12 estrelas normalmente ofuscadas pelo Sol. Na Ilha do Príncipe, onde o tempo estava nublado, foram registradas apenas seis.

A comprovação da teoria da relatividade foi vista com ressalvas pelos colegas de Einstein, ainda não convencidos de que a medição estava correta. A opinião pública foi mais generosa, e alçou o físico à condição de ícone pop.

— Era um momento simbólico, porque a Primeira Guerra Mundial havia acabado há poucos tempo, e eram pesquisadores britânicos interessados em ver Einstein, um alemão, derrubando as teorias sobre o Universo de Isaac Newton, um inglês — assinala Tolmasquim. — O eclipse e o simbolismo de luzes fazendo curvas no espaço também deram uma aura mística ao estudo.

Einstein recebeu muitos convites no mundo inteiro para explicar sua teoria da relatividade. Em 1925, o físico veio à América do Sul, onde passou por Argentina e Uruguai, antes de chegar ao Rio. Segundo relatos da época, fascinou-se com a mistura cultural da cidade, mas sofreu com o calor e a solidão — estava há quase três meses viajando sozinho, e não conhecia muitos profissionais de sua área.

— Ele não se deu conta de que sua teoria foi comprovada no país. Depois, escreveu um bilhete para um jornal dizendo que “a ideia que minha mente formulou foi comprovada no ensolarado céu do Brasil”. A carta se perdeu — conta Tolmasquim.

Para comemorar a data histórica, o Mast, em parceria com o Observatório Nacional, vai inaugurar às 11h a exposição “O Eclipse — Einstein, Sobral e o GPS”, que contará detalhes sobre a expedição. Imagens e instrumentos usados à época na cidade cearense integram o acervo.

Já o Museu do Amanhã realizará nesta quarta-feira, a partir das 16h, a atividade “Um eclipse para chamar de seu”: um painel que debaterá diferentes abordagens — científicas, culturais e religiosas — do fenômeno. Além dos debates, haverá a exibição do filme “Casa de areia”, protagonizado por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres e dirigido por Andrucha Waddington.

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