A razão do desentendimento do ex-ministro da Justiça Sergio Moro com o presidente Jair Bolsonaro , que levou à sua demissão, foi a superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro. Esse é o principal ponto do depoimento que Morou deu à PF no sábado (2) em Curitiba, por cerca de oito horas.

A íntegra do depoimento de Moro foi obtida pela rede de TV CNN. Mas já havia uma decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF) de torná-lo público depois que Moro declarou que não se opunha a isso.
“Moro, você tem 27 Superintendências. Eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, escreveu Bolsonaro, em uma mensagem de whatsapp para Moro, conforme ele conta em seu depoimento. A partir daí, segundo Moro, houve todo um processo de pressão que acabou por levar ao desentendimento e à demissão.
Interesses
Mais tarde, ele também pediu, segundo Moro, a troca da Superintendência de Pernambuco. Não fica claro que interesse exatamente o presidente poderia ter na PF do Rio.
No Rio de Janeiro, há investigações em curso que envolvem o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PR-RJ), pela prática de rachadinha — esquema no qual parte do salário pago a funcionários retorna para o político – quando ele era deputado estadual. Mas essas investigações não são de responsabilidade da Polícia Federal, mas do Ministério Público do Rio. O mesmo ocorre com a investigação do assassinato da ex-vereadora Marielle Franco, na qual se chegou a envolver Bolsonaro pelo fato de um dos acusados ser vizinho do presidente no condomínio em que ele tem casa no Rio.
Um porteiro do condomínio prestou um depoimento – e depois voltou atrás – dizendo que outro dos assassinos teria dito na portaria que ia à casa do presidente.
Outros inquéritos que envolvem filhos do presidente, que investigam a disseminação de fake news, por envolverem autoridades federais, estão em Brasília. No caso de Pernambuco, há uma investigação envolvendo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB).
No Palácio do Planalto, o depoimento de Moro foi recebido com certo alívio. Ele não teria apresentado uma “bala de prata”, algo que realmente ferisse de morte o presidente, embora tenha reafirmado o que dissera quando pediu demissão. No depoimento, Moro não aponta a prática de algum crime ao presidente. Aliados do juiz, porém, afirmam que ele, com a experiência que tem, não faria acusações sem prova. Ele teria apontado os indícios que acabam, avaliam, aparecendo no curso da apuração.
Moro afirma que não fez acusações a Bolsonaro. Que tais conclusões, no sentido da possível prática de crime, foram tiradas pela Procuradoria-Geral da República e pelo Supremo Tribunal Federal. No seu caso, ele afirma a existência de uma pressão que ele considerava indevida.
Segundo Moro, o então diretor da PF, Maurício Valeixo, “declarou que estava cansado da pressão para a sua substituição e para a troca do SR/RJ”. Uma pressão que só foi aumentando, até ao ponto que Moro considerou insuportável e o levou a pedir demissão.
Ex-ministro chegou a discutir possível troca
De acordo com Sergio Moro em seu depoimento, ele chegou mesmo a aceitar discutir uma possível substituição de Maurício Valeixo no comando da PF.
“Que por esse motivo e também para evitar conflito entre o presidente e o ministro o diretor Valeixo disse que concordaria em sair”, afirmou o ex-ministro.
De acordo com Moro, em seguida o presidente Bolsonaro “passou a reclamar da indicação da Superintendente de Pernambuco”. Segundo ele, “os motivos da reclamação devem ser indagados ao Presidente da República”.
Segundo o ex-ministro da Justiça, “o presidente lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência”.
Ramagem
Moro afirmou que a pressão para substituir Valeixo “retornou com força em janeiro de 2020, quando o presidente disse que gostaria de nomear Alexandre Ramagem [diretor da Agência Brasileira de Inteligência] no cargo de Diretor Geral da Polícia Federal.”
O ex-ministro afirmou que chegou a pensar em concordar com a substituição “para evitar um conflito desnecessário”. Mas, depois, chegou à conclusão que não poderia trocar o diretor geral sem que houvesse uma causa”.
No caso, segundo Moro, o problema na substituição estava no perfil dos nomes preferidos pelo presidente. Especialmente o principal favorito, Alexandre Ramagem, que chefiou a segurança de Bolsonaro durante a campanha presidencial e tornou-se amigo dele e de seus filhos.
“Como Ramagem tinha ligações próximas com a família do presidente isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio Governo, prejudicando até o presidente”, diz Moro, no depoimento. “Essas ligações são notórias”, disse Moro no depoimento à PF.
Saiba Mais
Segundo Moro, Bolsonaro cogitou outros dois nomes, além de Ramagem, para a PF: o atual secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, e Alfredo Carrijo. Moro considerou que os dois nomes não teriam a “qualificação necessária” para substituir o diretor-geral, Maurício Valeixo. Os nomes que ele aceitava eram Fabiano Bordignon e Disney Rossetti.
De acordo com o depoimento, em uma reunião na véspera da troca de Valeixo da PF, o presidente cobrou duramente a troca e ameaçou Moro de demissão caso não a fizesse. Essa reunião, com a presença de diversos ministros, teria sido gravada em vídeo. Entre os presentes, estavam os ministros da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos; do Gabinete de Segurança institucional, Augusto Heleno, e da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto.
Jornal de Brasília / Imagem: Reprodução