“Os muros altos”

Os muros altos viraram barreiras físicas que dificultam as relações interpessoais, mesmo que a ideia seja se proteger da violência e da criminalidade

Por Everaldo Paixão (O Grande Jornal)

 

O que mais tem causado polêmica no mundo é a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de erguer na fronteira com o México um muro. Uma das promessas bizarras feitas em campanha por Trump tem a intenção de impedir a entrada irregular de imigrantes pela fronteira e pode custar bilhões, incluindo os custos do governo mexicanos que se nega a comungar com a ideia.

Para nós brasileiros a decisão radical tomada pelo presidente americano não nos soa entranho e nem deve nos assustar, pois, vivemos em “muros altos” das nossas prisões domiciliares.

As nossas ruas, a nossa vizinhança, os nossos muros altos, viraram cercados de alvenarias, com cercas elétricas, portões com controle remoto, muros vigiados por câmeras instaladas nas residências, vidas mecanizadas, barreiras físicas instransponíveis que impedem não só os assaltos, mas as relações interpessoais que têm tornado cada vez mais a relação humana distante e mais desconfiada. Mesmo em cidades do interior a exemplo de Araripina, não conhecemos os nossos vizinhos, não sabemos os seus nomes, de onde eles são, se adoecem, se precisam de ajuda.

Os condomínios se tornaram a nova leva das construções e dos empreendimentos modernas nos municípios interioranos e lá também mesmo as residências envolvidas por muros altos e bem protegidas, inclusive com segurança particular, a relação interpessoal não existe. Talvez as pessoas culpem a globalização, a correria cotidiana, mas esquecem que somos cúmplices de toda essa falta de contato, de calor humano, de respeito, de reciprocidade, que aproxima e transforma essa artificialidade que está sendo patrocinada a cada dia, por cada um de nós.

Posso me reportar ao ano de 1978 ou muito antes disso, ali nas ruas do Padre, 11 de setembro, José Arnaud Campos, que os vizinhos se debruçavam sobre os muros baixos para conversar e cada uma contava um pouco de suas vidas, suas lutas, e ninguém precisava se intimidar com as confidências da boa vizinhança. A privacidade moderna se depara com as frustrações das necessidades humanas e a arquitetura que mais parecem muros de presídios, nos faz prisioneiros de tantas coisas que outrora nos fazia muito bem. As brigas dos vizinhos, os doentes sendo acolhidos com o chá de dona Avelina (minha vó); as conversas nas calçadas nas noites de calor; as brincadeiras das crianças nas ruas (cair no poço, garrafão, as boas peladas no calçamento de paralelepípedo), as novenas; os velórios; as festas de são João de seu Jó que atraia a vizinhança para o salão de dança na sua casa; as fogueiras coletivas que todos usavam para assar as batatas e as bananas, e tudo que os muros altos não impediam.

Essa semana ainda pude sentir com a partida de minha sogra Maria de Lourdes – Dona Lourdes (In memorian), a certeza de que ainda existem lugares, mesmo que raros, como o ouro puro de Ofir, essa convivência que vira benevolência que mesmo os muros altos não conseguem barrar. A Cohab 5, que trataram de transformar em Bairro Universitário, ainda é um desses lugares raros que às pessoas ainda sentam nas calçadas para “palestrar” e também para fazer uma boa “fofoca”, mesmo envolvidos pelos muros altos. No velório da querida Dona Lourdes, a reza, a “velha sopa”, o “chá”, o “café”, as tradicionais “coisas do interior”, deram um tom menos fúnebres aquele momento triste, porque uniu a simplicidade das amizades compartilhadas em uma relação que a cada dia tem transformado os seres humanos em meros zumbis.

Tudo isso tem sido culpa dos muros altos das nossas casas que impedem que conheçamos os nossos vizinhos e que partilhe com eles um pouco dos nossos problemas, das nossas alegrias.

“A iluminação pública pode ser expandida e universalizada de forma a garantir a ocupação de todos os espaços públicos durante a noite – calçadas, praças, áreas de convivência – o que contribui para a redução da violência. O Plano de Desenvolvimento Urbano das cidades podem estimular, através de descontos no IPTU, a construção de muros baixos que permitam interações entre vizinhos e favoreçam a circulação pelas calçadas, tornando moradias e ruas mais seguras. Muros altos e condomínios fechados são sintomas do medo e geram insegurança e percepção de insegurança”.

José Luiz Ratton,

Coordenador do Núcleo de Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da UFPE e professor de sociologia, idealizador do Pacto pela Vida.

Foto: Carlos Paixão

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