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Quando o pai se sente grávido

Logo que a professora de Educação Infantil, Ana Paula Götz, 30 anos, descobriu que estava grávida, os primeiros sinais da mudança hormonal que acontecia em seu corpo não demoraram a aparecer: além da falta de apetite, sentia enjoo só de ver alguns alimentos. Mas o que ela não imaginava é que o marido, o psicólogo Daniel Götz, 34, também teria sintomas de gravidez, ainda mais fortes do que os dela. “Ele acordava com azia, estava sempre de estômago embrulhado e vivia enjoado”, conta. Na reta final da gestação, sofreu também com as tradicionais dores na lombar. “São aquelas típicas pelo peso da barriga, pela mudança no centro de gravidade do corpo e já preparatórias para o parto”, conta Daniel, que, apesar de não ter carregado um filho na barriga, sabe explicar exatamente o que muitas grávidas sentem. As dores eram tão reais e intensas, segundo ele, que os travesseiros da cama usados para dar um pouco de conforto a Ana foram divididos entre os dois. “Tivemos disputas noturnas pelo travesseiro extra”, contam, brincando.

Daniel atende muitas grávidas e tem consciência de que somatizou o que a mulher sentia. “Despertou em mim uma ansiedade diante da responsabilidade de ser pai”, desabafou, cerca de um mês antes da chegada de Eric, em junho. O marido da pedagoga Viviane Guizelini, 39, mãe de Vítor, 2, e de Antônio, que nasceu em maio, também teve desconfortos. Segundo ela, o pai virou o “rei do xixi”. “Eu dormia a noite toda. Já ele levantava a madrugada inteira para ir ao banheiro”, conta.

A CIÊNCIA EXPLICA

O que pouca gente sabe é que tanto as manifestações físicas quanto as comportamentais sentidas por alguns futuros pais têm nome e sobrenome: é a síndrome de Couvade, pesquisada e diagnosticada pela primeira vez há 50 anos pelo psiquiatra britânico William Trethowan. Ele acompanhou um grupo de pais durante a gestação de suas esposas e percebeu que muitos apresentavam sintomas iguais aos delas. Enjoavam, vomitavam, sentiam nojo de alguns alimentos, além de perderem o apetite. A síndrome, contudo, nunca foi classificada como transtorno mental, já que é apenas um conjunto de sintomas físicos, de origem psicológica, que mostra uma forte ligação afetiva do homem com a mãe do bebê e demonstra também a ansiedade com o novo papel que ele vai interpretar na vida: o de pai. Ela pode aparecer em qualquer momento da gestação, mas, segundo os pesquisadores, tem data certa para ir embora, geralmente quando o bebê nasce ou dias depois do parto. Por isso, o único remédio que pode ser prescrito para eles, e também para elas, é uma dose de paciência com umas gotinhas de compreensão. E, claro, se essas mudanças chegarem a incomodar demais, vale procurar ajuda com um especialista.

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A psicóloga Talu Andréa Dartora de Martini pesquisou mais recentemente a síndrome em pais brasileiros para sua tese de mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No estudo – que revelou que 53% dos homens sofrem alguma mudança física durante a gestação -, ela descobriu que os pais sentem outros sintomas além dos descritos inicialmente pelo psiquiatra britânico. “Muitos apresentam aumento da circunferência abdominal, dor nas costas e ganho de peso”, afirma.

A doutoranda em Educação Julia Delibero, 35 anos, ganhou 11 quilos durante a gestação de Pedro, hoje com 6 anos. Já o marido, o servidor público André Cintra, 35, engordou o dobro: 22. “Entrei no ritmo da gravidez”, brinca. Como a felicidade do casal era grande, eles promoveram cinco chás de bebê: para a família de Julia, que mora no interior de São Paulo, para os colegas de trabalho dela, para os dele, para os amigos em comum e o último para aqueles que, por algum motivo, não puderam comparecer às festas anteriores. Todas as comemorações tinham em comum a comilança. “Fizemos duas festas no restaurante de um amigo e eu me esbaldava naquelas batatas suíças grandes e maravilhosas”, lembra André, que já emagreceu todos os quilos extras. Ele sabe que foi a ansiedade com o nascimento do primogênito que fez com que tivesse desejos e comesse sem parar. Na segunda gravidez, o ritmo foi outro e os sintomas não apareceram. André acredita que é porque estava mais seguro como pai.

OS HORMÔNIOS

Duas pesquisas recentes realizadas por endocrinologistas canadenses afirmam ter comprovado que os sintomas de gravidez no homem não são apenas psicológicos, mas também biológicos. Os médicos compararam as mudanças hormonais de casais grávidos com casais que não esperavam bebê e descobriram que havia elevações nos níveis dos hormônios prolactina e estradiol e a diminuição dos níveis de cortisol e testosterona nos homens durante a gestação da companheira – imitando, em menor grau, as mudanças fisiológicas delas. Essa constatação reforça a hipótese, ainda não totalmente comprovada, de que a gravidez também provoque efeitos fisiológicos nos homens e que haja uma base hormonal – e não só psicológica – nos sintomas que aparecem nos futuros pais.

EMOÇÕES À FLOR DA PELE (DELES!)

Essa mudança de comportamento, que disparou os ponteiros na balança de André, foi o que constatou a pesquisa brasileira. Segundo o estudo, a principal causadora dos sintomas nos “grávidos” é realmente emocional. “A ansiedade foi o sentimento mais citado pelos futuros pais”, diz Talu. Por isso, aqueles que escapam dos enjoos de gravidez, por exemplo, costumam demonstrar sua ansiedade de outra forma.

No caso do marido da psicóloga Carolina (o sobrenome não foi citado a pedido da entrevistada) , as finanças foram a grande preocupação, tanto que começou um planejamento para pagar a faculdade do herdeiro antes de ele sequer ter sido “encomendado”. “Meu marido fez as contas de quanto teríamos que economizar por mês para que nosso filho fizesse a faculdade mais cara da época. A meta era que ele completasse 18 anos com dinheiro suficiente para pagar as mensalidades”, conta. Antonio tem 1 ano e 1 mês e o pai separa parte do salário desde antes de ele nascer e investe, pensando no futuro do menino. “Eu achava meio bizarra essa organização toda, mas agora me dá segurança saber que o Antonio vai poder escolher qualquer curso que quiser fazer”, afirma Carolina.

Segundo a psicóloga Priscila Gasparini Fernandes, do Hospital Beneficiência Portuguesa de São Paulo, os homens se preocupam com o lado racional muito mais que a mulher. “Eles se conectam com a responsabilidade da paternidade, de conseguir manter financeiramente esse filho, os gastos com enxoval, médico e escola”, explica.

E não para por aí. O cuidado com a mulher e com a gestação, por vezes extrapolado, chega, em alguns casos, até a incomodar a grávida. O marido da fotógrafa Alice Batista, 27 anos, leu tanto sobre gravidez que sabia todas as etapas de formação do bebê e exigia que ela se alimentasse apenas de forma saudável. “Ele me comunicava: essa semana é a formação dos neurônios do bebê. Por isso, vamos comer muito brócolis”, lembra. Alice sabe que o marido agia assim para o bem dela e do bebê, mas acha que foi exagerado. “Eu chorei uma vez de vontade de comer pastel e até briguei com ele.”

Se você, grávida, que está lendo esta reportagem, se identifica com esse tipo de situação, entenda, não é por mal. “O homem quer que o bebê nasça saudável e que tudo corra bem. Por isso, fica ansioso e quer tomar conta de tudo”, diz Priscila Gasparini. “Mas sempre vale uma conversa para que se aparem as arestas”, diz.

Esse papo sugerido por Priscila teve que acontecer entre a advogada Carolyna Sposaro, 25, e o marido, Eduardo Leite, 35. No dia em que conversavam com a obstetra sobre o parto, o futuro pai chegou até a tomar uma bronca da médica. “Meu marido disse que sonhava com um parto com música e sem anestesia”, conta Carol. “Então, a médica disse a ele: Você sabe que quem vai parir é ela e não você, né?” A advogada, então, disse a Eduardo que adorava que ele fosse tão participativo, mas que o parto era algo muito particular e ela poderia mudar de ideia sobre o assunto e não queria decepcioná-lo. A filha deles, Agatha, nasceu de parto normal há sete meses, como queriam. “Mas pedi analgesia e não deixei que colocassem música. Tirando isso, o parto foi do jeito que meu marido sonhou”, brinca.

 

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Outra questão não rara que também paira na cabeça de muitos homens é o medo de o sexo prejudicar o bebê. A empreendedora Maribel Joanadarque Barreto, 41, lembra que, assim que anunciou a gravidez, o marido não quis mais saber de ter relações. “Ele me tratava como a Virgem Maria”, brinca, ao contar que o casal não fez sexo durante toda a gestação.

Por isso, para você, futuro pai, que está lendo o texto e sofre com esse receio, o ginecologista e obstetra Ricardo Roscito Arenella, do Hospital São Luiz (SP), reforça: “Sexo é uma prática saudável, segura e importante para a conexão do casal durante a gravidez”. As contraindicações são raras. “Apenas quando há episódios de sangramento muito recentes, sinais de descolamento ovular ou placentário no primeiro trimestre, inserção baixa de placenta ou risco de parto prematuro”, explica.

Depois de convencer o marido de que o sexo não prejudicaria o filho, Maribel contou que, nas duas gestações seguintes, o assunto deixou de ser tabu. Novamente, nada que um bom papo e compreensão de ambos os lados não resolva. Afinal, passado esse tempo, vocês vão rir juntos de todas essas situações que surgiram enquanto aguardavam a chegada do bebê.

DESCOMPASSO
Casos como o de Daniel, André e de tantos outros homens que vivenciam fortemente a gestação da mulher não são regra. Muitos futuros pais sentem dificuldade para se conectar com a gravidez, o que leva a uma frustração da mulher que tanto sonhou com aquele momento. A advogada Melina (o nome foi trocado a pedido da entrevistada), 31 anos, comparava o marido ao cunhado, que de tão apaixonado pela ideia de ser pai compôs uma música para o filho, ainda não nascido. “O pai da minha filha é racional e pouco emotivo e confesso que isso me deixou triste durante a gestação”, conta. Segundo a psicanalista Vera Iaconelli, mestre e doutora pela USP, autora do livro Mal-Estar na Maternidade: Do Infanticídio à Função Materna e diretora do Instituto Gerar (SP), essa expectativa em cima deles pode ser cruel. “Tem certa pressão social, que passa também por um processo de idealização, de que o pai perfeito é aquele que passa os nove meses acariciando a barriga da mãe do bebê. É como se existisse um jeito certo de ser pai. Isso é tudo bobagem”, afirma. “Ele tem de virar pai do jeito dele, no tempo dele, sem ser pressionado ou julgado”, diz. A conexão do marido de Melina com a filha do casal, hoje com 1 ano e 10 meses, aconteceu aos poucos. “Eles construíram uma relação linda. Minha filha é muito articulada e meu marido a admira, é fascinado pela pessoinha que ela é. E ela é alucinada por ele”, conta.

Essa mesma falta de empolgação que entristeceu Melina aconteceu com a designer de moda Fernanda Martins, 27, durante a gravidez do filho Bento, 1 ano e 9 meses. “Eu esperava aquela coisa de fazer surpresa para a família, ganhar beijo na barriga”, lembra. Mas foi na hora do nascimento do menino, segundo ela, que o marido finalmente virou pai. “Ele segurou o Bento no colo e não largou nunca mais”, conta. Segundo Vera, a maioria dos homens não foi criada para a paternidade. “A gente não pode esquecer que os meninos são criados e estimulados a brincar de coisas que os tornem ‘homens’, o que exclui tudo o que diz respeito a cuidar de bebês. Depois, adultos, são cobrados para que tenham comportamento de pai”, conta. “Precisamos permitir que os meninos possam brincar de qualquer coisa, inclusive de casinha ou de boneca. Assim, contribuímos para se tornarem futuros pais”, diz.

Para ajudar nessa conexão com a gravidez, Priscila aconselha incentivar o companheiro a participar da gestação e reforçar a importância de seu papel mesmo antes de o filho nascer. “Vale convidá-lo para fazer o enxoval, montar o quarto e também ir aos ultrassons”, afirma. “Ao participar desses momentos, consegue visualizar o que está acontecendo, e assim já se sente pai antes do parto”, completa.

Damião Sousa
Damião Sousa
Diretor de Jornalismo e Marketing
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