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Bandidos expulsam beneficiados do ‘Minha Casa, Minha Vida’ de imóveis

A reportagem especial deste domingo (6) é uma denúncia
de violência e fraude em conjuntos residenciais do programa ‘Minha Casa, Minha
Vida’, uma iniciativa que já beneficiou mais de 1,5 milhão de famílias
brasileiras. Estão envolvidos traficantes, milicianos e até agentes públicos.
“Chegou uma quadrilha
de traficante lá e disse: ‘essa casa aqui é nossa, perdeu’”, conta um morador.
“Quarenta e oito hora
para sair de dentro de casa”, relata outro. 
Essas pessoas foram
beneficiadas pelo programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ e agora não têm onde morar.
“Eu vi morador sendo expulso e vi morador sendo morto”, diz uma testemunha.
São vítimas do crime
organizado. Bandidos estão destruindo o sonho da casa própria de muita gente
pelo Brasil afora.
O apartamento é de um
condomínio construído pelo programa do Governo Federal. “Desde 2010 eu
sou inscrito no ‘Minha Casa, Minha Vida’. Quando veio a chance, eu agarrei,
porque eu tenho família. Eu achei que era um projeto sério”, lembra um homem.
O programa exige uma
série de condições sociais e econômicas para conceder o financiamento. Se estão
dentro das condições pedidas, mas o número de candidatos é maior do que o de
habitações, os inscritos têm que participar de um sorteio para receber a casa
própria. Era o caso de pelo menos 50 famílias em condomínio do Rio.
“Começaram uns
intermediários no local dizendo que, se a gente pagasse R$ 5 mil, R$ 6 mil,
teria pessoas da própria prefeitura que iriam agilizar a documentação para a
gente ser premiado primeiro. O nome dele era Bruno. Ele era funcionário da
Secretaria de Habitação”, diz uma mulher.
“Ele informou que
quem era inscrito no ‘Minha Casa, Minha Vida’, teria altas chance de conseguir
o imóvel”, afirma um homem.
O golpe aconteceu em
2012. Na época, o secretário de Habitação do Município era Jorge Bittar. Quando
descobriram que tinham sido enganados, os moradores se reuniram com
representantes da Prefeitura do Rio, como mostra um vídeo. Foi em janeiro de
2013, depois que Bittar deixou a Secretaria e reassumiu o cargo de deputado
federal.
No vídeo, o então
subprefeito, Edson Luiz Menezes, admite o problema: “Teoricamente, vocês
compraram o apartamento de uma pessoa que realmente fazia parte daquela gestão
da prefeitura”, diz.
Ele diz que quem
pagou vai ter que sair: “A gente vai ter que realmente desocupar os imóveis e
entregar os imóveis para os verdadeiros donos. Eu não posso premiar a
ilegalidade”, afirma.
As famílias já estão
recebendo ordens de despejo. “Elas imaginam que elas entraram regularmente nos
imóveis, inclusive desembolsando quantias que, para elas, às vezes são
economias de uma vida inteira. Como uma pessoa dessa é invasora? Essa pessoa é
uma vítima”, aponta o defensor público Eduardo Lopes Piragibe.
Apontado pelos
moradores como o funcionário da Secretaria de Habitação do Rio que cobrava
dinheiro para entregar as chaves da casa, Bruno concordou em dar entrevista ao
Fantástico. Quando a equipe chegou para a gravação, ele pediu para não mostrar
o rosto nem divulgar o sobrenome, alegando estar com medo da ação do crime
organizado nos condomínios.
Ele negou ter
recebido dinheiro dos moradores. “Eles são invasores, invasores de um
condomínio, que estão aproveitando da minha imagem e do meu nome para se
beneficiar de um apartamento”, afirma.
No Pará, a Polícia
Federal e o Ministério Público também investigam fraudes no programa ‘Minha
Casa, Minha Vida’. A primeira denúncia é de manipulação na inscrição.
“Alguns servidores
públicos, em troca de alguns favores para as eleições municipais de 2012,
estavam inserindo alguns candidatos ao programa, ao benefício na lista para ser
remetido para a Caixa Econômica Federal”, explica o procurador do Ministério Público Federal do Pará Aécio Mares Tarouco.
“A Polícia Federal
concluiu que o programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, em Redenção, foi utilizado
com fins eleitorais, fim de reeleger o ex-prefeito e eleger pretensos
candidatos ligado a ele”, aponta o delegado da Polícia Federal do Pará Luiz
Felipe da Silva.
A segunda denúncia:
os próprios moradores do condomínio dizem que nem todos os beneficiados moram
nas casas. “Já tem um ano e quatro meses que eu moro aqui, eu nunca vi ninguém
nessa casa aqui”, diz um morador.
Tem mais:
beneficiados estão tentando ganhar dinheiro com os imóveis antes de serem
quitados. “Eles negociavam ou locavam ou alienavam esse imóvel para pessoas
próximas, ou parentes ou amigos”, diz Tarouo.
“Tem casa aí também
que já foi alugada, que o dono nunca morou, que ganhou mesmo e nunca morou”,
aponta uma moradora.
“Não há fiscalização
para ver se ele realmente está morando lá, se ele está passando a casa para
alguém. Não está sendo feita”, avalia o procurador do MP.
No Rio, o Fantástico
encontrou na internet o anúncio de um imóvel de um conjunto construído pelo
programa ‘Minha Casa, Minha Vida’. É um dos muitos que a chamada milícia vende
quando o morador não pode pagar as taxas cobradas pelos criminosos.  Os
milicianos cobram por segurança e também taxam os serviços de água, luz e gás.
“A gente gasta ali, na média, R$ 500 por mês, só de taxa para morar no que é da
gente”, conta um morador.
A milícia ganha
dinheiro até vendendo comida nos condomínios.  “Só pode comprar deles. Não
pode comprar em mercado de maneira nenhuma”, relata o morador.
“O programa ‘Minha
Casa, Minha Vida’ está virando uma fonte de enriquecimento do crime
organizado”, avalia Piragibe.
“E se você não pagar
naquele dia, eles lhe mandam sair fora da casa, sem direito a nada, só com a
roupa do corpo”, explica o morador.
“Chegaram quatro
rapazes lá na minha casa e falaram que eu tinha 48 horas para sair de dentro de
casa. Eu simplesmente peguei a mulher e o menino e parti”, conta uma vítima.
Em 2011, uma grande
operação expulsou os milicianos do condomínio que fica em Campo Grande, Zona
Oeste do Rio. Segundo os moradores, pouco tempo depois a milícia voltou.
Uma família de Salvador,
na Bahia, continua aparecendo nas estatísticas oficiais como beneficiada pelo
programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, embora o único teto que tenha hoje seja o de
uma ponte. A família diz que foi expulsa de um condomínio em Serrinha, no
interior do estado, por traficantes.

“Chegou uma quadrilha de traficante e
disse: ‘essa casa aqui é nossa, perdeu’. Venderam para outras pessoas e nós
passando por essa vida difícil assim na rua”, conta a ex-moradora.
Em nota, a Prefeitura
de Serrinha afirma que desconhece organizações criminosas que expulsam
moradores.
Já o então candidato
a prefeito de Redenção, no Pará, Wagner Fontes, não quis falar com o
Fantástico. O advogado dele nega uso político do cadastro no programa: “Não
tinham meios do prefeito ou de qualquer outra pessoa envolver na seleção dessas
pessoas, porque isso era feito pelo órgão federal, Caixa Econômica”, afirma o
advogado Pedro Carneiro.
Por lei, as
prefeituras fazem os cadastros, e a Caixa Econômica Federal verifica quem
realmente está dentro do perfil exigido pelo programa.
Também em nota, o
ex-secretário de habitação do Rio Jorge Bittar afirma que Bruno foi funcionário
dedicado e correto e, por isso, hoje, faz parte da equipe de Bittar, que é
deputado federal.
Já a Polícia Civil
informa que a Delegacia de Defraudações vai convocar os envolvidos no caso para
prestar depoimento. As denúncias dos moradores foram feitas em janeiro de 2013.
O secretário de
Segurança Pública do Rio de Janeiro afirma que haverá uma nova operação no
condomínio que já havia sido tomado pelas milícias em 2011. Mas ele diz que é
preciso mais: “Vamos fazer outra operação lá? Vamos fazer, não tenha dúvida.
Mas, se o transporte lá não melhorar, ou se as outras condições de luz, de
entrega de gás também não acontecerem, alguém vai ocupar essa lacuna, a falha,
e se locupletar com esse serviço que não está sendo feito de uma maneira bem
feita”, avalia José Mariano Beltrame.
Na quinta-feira (3),
o ministro das Cidades disse ao Fantástico que vai combater os desvios. “Não
vamos tolerar ou admitir qualquer tipo de distorção do programa, seja ela
através da milícia, do tráfico, da corrupção ou de qualquer uma outra situação
que possa desvirtuar o objetivo do programa”, afirma Gilberto Occhi.
Vinte e quatro horas
depois que o Fantástico entrevistou em Brasília o ministro das Cidades, ele
convocou, para Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, um encontro
com representantes da Caixa Econômica Federal, da Polícia Federal e da Polícia
Civil.
Segundo ele, nesta
semana haverá uma reunião para tratar das invasões da milícia. “Nela será
assinada uma portaria interministerial convidando outros órgãos, as
prefeituras, as polícias locais, começando pelo Rio de Janeiro, para que a
gente possa efetivamente dar esse trabalho e dar essa resposta e essa
satisfação à sociedade”, diz.
Fantástico: Você
pensa em recomeçar de que maneira?

Vítima: Bem, em uma área que não tenha
miliciano, uma área segura que eu tenha a certeza absolutamente que não tenha
ninguém envolvido com eles, para poder começar tudo de novo.

Fantástico 
Allyne Ribeiro
Allyne Ribeirohttps://araripinaemfoco.com
Diretora de Edição e Redação de Jornalismo
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