InícioAraripina em FocoBrasil deve se preparar para chegada de novas doenças, dizem cientistas

Brasil deve se preparar para chegada de novas doenças, dizem cientistas


O
pernilongo também transmite a febre do Vale de Rift

Órgãos de saúde
internacionais vêm emitindo alertas a pessoas viajando para o Brasil por causa
da prevalência de doenças como a dengue e, desde o final do ano passado, o
vírus zika.
Mas, na opinião de
cientistas ouvidos pela BBC Brasil, o surto dessa nova doença revela uma
mudança de realidade sanitária: por uma combinação de fatores que causou sua
ascensão no cenário internacional na última década, o país está muito mais
exposto à chegada de enfermidades do que no passado.
O argumento é que zika é
um perfeito exemplo do aumento na vulnerabilidade brasileira para mazelas
“desconhecidas”.
Apesar de não ser o único
país do mundo atingido pelo vírus que durante anos esteve “dormente” na África,
o Brasil apresentou, segundo especialistas, um cenário mais favorável para seu
alastramento e que vai além de uma prelavência forte do mosquito Aedes aegypti
em território nacional.
Nos últimos anos, o
crescimento econômico do Brasil foi acompanhado por um aumento na chegada de
turistas e imigrantes. O país ficou bem mais inserido no mundo globalizado,
cujo ápice se deu com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Mas, com
isso, também entrou no caminho de mais doenças.
Neste sábado acontece a
segunda etapa do combate ao mosquito Aedes aegypticom o apoio dos militares.
Cerca de 220 mil homens e mulheres das Forças Armadas farão uma ação de
conscientização para orientar a população no combate ao inseto.Estudos da ONU
mostram, por exemplo, que o número de viajantes internacionais saltou de 227
milhões de pessoas em 1980 para mais de 1 bilhão em 2012.
Os militares vão
distribuir panfletos com um número de telefone local para receber denúncias de
locais onde haja proliferação do mosquito. A ação ocorre em 356 municípios, dos
quais 115 concentram grande quantidade de casos de microcefalia. Segundo o
comando das Forças Armadas, 3 milhões de imóveis residenciais devem ser
visitados.
Aves
e rebanhos
Além disso, os vírus
também podem ser “importados” por acidente.
O Ministério da Saúde, por
exemplo, suspeita que o chikungunya chegou ao país, em setembro de 2014, com
brasileiros que adquiriram o vírus depois de viajar para áreas endêmicas.
O cenário é mais
preocupante no caso de vírus que possam ser transmitidos por mosquitos e que
não sejam muito conhecidos por agências sanitárias ou cientistas. Novamente, o
zika serve de exemplo: até o ano passado, a possível relação do vírus com a
microcefalia sequer tinha sido estudada por pesquisadores de doenças tropicais.
Cientistas defendem uma
reavaliação dos métodos de erradicação
“O Brasil está, sem
dúvida, mais vulnerável agora à chegada de doenças por conta de fatores globais
e por já enfrentar um problema sério com a população de mosquitos. Um grande
problema é a existência do que chamamos de populações inocentes, que não foram
expostas ao vírus o suficiente para criar anticorpos, o que ajuda a explicar a
velocidade da proliferação do zika”, afirma James Logan, entomologista da
London School of Hygiene & Tropical Medicine.
Este último, que também
tem como vetor mosquitos da família Aedes, parece hoje em dia confinado ao
continente africano ─ onde, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de
Doenças dos EUA, o CDC, matou mais de 600 pessoas em um surto no Egito, em
1977.Cientistas citam pelo menos três vírus que, em teoria, poderiam chegar ao
Brasil, todos eles transmitidos por mosquitos: o O’nyong’nyong, a febre do Nilo
Ocidental, e a febre do Vale de Rift (RVF).”Qualquer doença tem potencial de
chegar a qualquer país no mundo em que vivemos hoje. A ciência precisa
desenvolver melhores métodos de vigilância, mas isso fica ainda mais complicado
diante de um vírus como o zika, que é majoritariamente assintomático”,
acrescenta o especialista.
Porém, em 2000, o vírus se
manifestou na Arábia Saudita e o no Iêmen, com mais de 1 mil casos e cerca de
160 mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Também prevalecente
em animais de criação, a RVF causou a morte de pelo menos 40 mil ovelhas e
cabras.
Seus sintomas são bem
parecidos com os de outras doenças transmitidas pelo Aedes: fraqueza, febre,
dores e tonturas, que normalmente desaparecem em até uma semana. Mas uma
parcela de até 10% dos casos podem desenvolver sintomas mais graves como lesões
oculares, encefalite (inflamação no cérebro) e hemorragias.
Mosquito tranmissor da
malária, doença tem hoje maior prevalência em áreas rurais “O RVF também pode ser
transmitido por mosquitos Culex (o popular pernilongo) e, na teoria, pode chegar
a qualquer lugar do mundo. Assim como o zika, que já ocorreu fora da África,
apesar disso ter acontecido há mais de 10 anos”, explica o geneticista David
Weet, da Liverpool School of Tropical Medicine.
“Teoricamente, pode voltar
a se manifestar. O zika mostra como é importante para as autoridades de saúde
investirem em programas de diagnósticos, especialmente porque os sintomais mais
moderados do RVF são parecidos com o zika”, acrescenta Weet.
Quando houve o surto nos
EUA, temeu-se que o vírus pudesse chegar ao Brasil por meio de aves
migratórias. A febre também tem sintomas parecidos com o da dengue, o que
dificulta o diagnóstico.A febre do Nilo Ocidental teve seu primeiro surto no
Hemisfério Ocidental em 1999, nos EUA, e em 2012 matou quase 300 pessoas no
país. Ele também é transmitido pelo pernilongo. Apenas um caso de contaminação
em humanos (o vírus também ataca cavalos) foi descoberto no Brasil até hoje ─
em uma área rural do Piauí, em 2014.
E, assim como o zika, os
sintomas se manifestam em apenas um quinto dos casos. Sensações de fraqueza e
fadiga podem durar meses. Menos de 1% do infectados pode, porém, desenvolver
condições neurológicas sérias como encefalite e meningite.
Sintomas
Entidades de saúde como a
Fiocruz não descartam sua chegada a áreas mais populosas do país, mas uma das
teorias que explicaria a ausência de casos dessa doença é efeito de uma
“proteção cruzada”, promovida pela grande circulação de vírus similares ao do
Oeste do Nilo no Brasil, como os causadores da dengue e da febre amarela.
Diagnósticos mais rápidos
é considerada passo fundamental por cientistas
“Nos Estados Unidos, a
febre do Nilo Ocidental já faz parte das campanhas de saúde pública para os meses
de verão, quando aumenta o número de mosquitos, e já houve casos em todo o
país. Possibilidades de chegada sempre há, mas a ciência ainda precisa de muito
mais pesquisas sobre essas doenças e isso não é uma tarefa fácil, mesmo quando
ocorrem mais casos”, completa Weet.
Já o’nyong’nyong chamou a
atenção no Brasil depois de autoridades de saúde do Mato Grosso terem dito que
a chegada deste vírus africano ao Brasil “era apenas uma questão de tempo”.
No entanto, ele não faz
parte da lista de mazelas que pode ser carregada pelos mosquitos da família
Aedes. O vetor deste vírus é a família anophelina, o que inclui o Anopheles
gambiae, transmissor da malária. Este mosquito tem prevalência em áreas rurais,
o que marcou epidemias já ocorridas da doença, sempre na África ─ sem mortes
registradas, segundo o CDC.
Os sintomas do
o’nyong’nyong combinam irritações na pele, dores pelo corpo, sobretudo nas
juntas e febre alto.
Aumento no número de
turistas e imigrantes deixa país mais exposto, dizem especialistas
Os especialistas alertam
ainda para outro fator complicador nos esforços de vigilância: o risco de
mutações. O chikungunya novamente é um exemplo ─ em 2006, cientistas detectaram
uma mutação que tornou mais fácil a transmissão do vírus pelos mosquitos da família
Aedes e fez com que ele deixasse de ser restrito a países africanos e do
Sudeste Asiático, chegando ao continente americano.
“É extremamente complicado
mapear doenças, especialmente as que não oferecem perigo imediato e que ficam
por muito tempo confinadas a determinadas regiões. Há um problema extra que é o
fato de que doenças assintomáticas tornam bastante complicada, por exemplo, a
tarefa de controlar pontos de entradas no país, como aeroportos, por exemplo”,
explica Logan.

“Não adianta pensar em outras
doenças quando já é preciso lidar,por exemplo, com um problema sério de dengue.
Será muito difícil atingir uma erradicação total do mosquito sem esforços
coordenados e que vão além do que temos hoje”, diz.O entomologista, porém,
argumenta que novas ameaças teóricas não podem ofuscar as já existentes. Logan
diz que mais importante é cuidar da prevenção, sobretudo repensando as
políticas atuais de combate a mosquitos. (Fonte:BBC)
Allyne Ribeiro
Allyne Ribeirohttps://araripinaemfoco.com
Diretora de Edição e Redação de Jornalismo
RELACIONADOS